sábado, 22 de setembro de 2007

Separatismo no Pará, o desconhecimento e o preconceito

Manuel Dutra *

A rigor, não existe um debate sobre as demandas das regiões Oeste e Sul do Pará por autonomia política. Em Belém, isso não existe por desconhecimento das razões desses pleitos, um desconhecimento que engendra o preconceito. Em Santarém e Marabá, candidatas a capitais, o debate é débil em virtude da profunda dependência político-partidária das elites locais em relação aos grupos de poder político e econômico sediados na capital do Pará. Não havendo, lá, lideranças sociais não partidárias engajadas no embate separatista, o que deveria ser um debate salutar, lá e cá, torna-se conversa sazonal que se transfere para o âmbito de comissões do Congresso, em Brasília. Quanto à inclusão do Marajó e do Xingu na presente temporada separatista, isso se deve mais à ação de grupos cuja história não recomenda esses dois pleitos. Consistência, rigorosamente falando, somente existe quanto ao pleito do Oeste e, secundariamente, quanto ao do Sul do Pará. Mesmo assim, estes dois casos têm história e motivações contemporâneas profundamente distintas. No caso do pretendido Estado do Carajás, a demanda vem do início dos anos 1990, quando aquela região começou a ter novo sentido econômico, a partir do significado da Serra dos Carajás e do desenvolvimento da agricultura e pecuária. Empreendimentos que ensejaram a formação de uma ainda nascente elite regional, liderada fortemente por grupos não-paraenses, sem maiores ligações históricas e culturais com Belém, esta grande cabeça física, inchada pelas migrações, de uma unidade federativa cujas elites desconhecem profundamente o que se passa no interior do Pará. No Oeste do Estado existe consistência histórica para o pleito, que vem do momento em que Pedro II assinou, em 1850, o decreto de criação da Província do Rio Negro, mais tarde Província e Estado do Amazonas, depois que as elites daquela unidade intentaram, sem êxito, a separação por conta própria, em 1832. Após a perda territorial de sua imensa banda Oeste, as elites paraenses permaneceram inconformadas, e rusgas foram freqüentes entre as duas unidades. Surgiu, então, a idéia de se criar uma terceira província, que viria, naquele momento, servir de algodão entre cristais. Em 1869, segundo relata Ferreira Reis, foram intensos os debates no Parlamento Imperial sobre a necessidade de transformar o Baixo Amazonas paraense (hoje chamado de Oeste do Pará) em uma província autônoma. Em 1832, o Grão-Pará tinha três Comarcas: Belém, Santarém e Manaus. Santarém adquiria, assim, status jurídico e administrativo semelhante ao das outras duas cidades, alimentando o sonho da autonomia que jamais veio a se realizar. Isso porque as elites baseadas em Santarém foram tão débeis que jamais conseguiram, nesse século e meio, dar conseqüência à sua aspiração. Desse percurso se percebe que há razões históricas e contemporâneas para o pleito separatista, sendo as de hoje o fato concreto dos poucos investimentos estaduais no Oeste, onde nos últimos 30 anos os mais vultosos investimentos em infra-estrutura foram obra do governo federal: rodovias, portos, aeroportos, o hospital do pronto-socorro de Santarém e mesmo obras urbanas se fizeram graças a dinheiro de Brasília. Não se pode esquecer que o Oeste paraense padece de uma forte e contínua evasão populacional. Banidos pela desilusão de algum dia poder encontrar o que fazer de produtivo para reconstruírem as suas vidas, centenas de milhares de paraenses (calcula-se em cerca de 500 mil) já emigraram para Manaus, onde hoje se verifica uma caricatura do racismo que inferniza os migrantes de tantas partes do Brasil e do mundo. Nesse processo, o inverso também ocorre, com a entrada maciça na região paraense, sobretudo em Santarém, de todo tipo de gente de todos os cantos do Brasil Sejam quais forem as reais motivações, o perigo está em que o Estado do Tapajós pode surgir do escuro, em meio à ausência de debates produtivos e com o desconhecimento proposital das elites de Belém. Aliás, vejo benéfica para Belém, como cidade, a criação do Tapajós e Carajás. A capital paraense é hoje um aglomerado metropolitano de problemas estruturais, cuja solução não se vislumbra. Imagino que, se houvesse debate a respeito dos problemas paraenses, a questão da criação dos dois Estados seria vista como potencialmente benéfica para a solução dos problemas da atual capital, com a descentralização das migrações em direção a Santarém e Marabá. O que os grupos de poder fariam por lá, só Deus sabe... Aliás, todos nós podemos antever um Estado do Tapajós e um Estado de Carajás geridos pela irresponsabilidade das elites locais, especialmente quando aquelas duas regiões paraenses se beneficiam e ao mesmo tempo sofrem com a chegada de duas categorias que muitas vezes se confundem: a dos empreendedores e a dos aventureiros, muitos deles se autoproclamando “empresários”. Além da massa de deserdados que vêm fugindo de situações ainda mais precárias. Imagino o que poderão fazer, como eventuais deputados estaduais ou federais um “filho de sojeiro” do Oeste ou um rebento de “pecuarista” do Sul do Pará, daqueles que infernizam as ruas de Santarém e Marabá com seus carrões equipados com máquinas de som treme-terra, desfilando em suas Hilux, demonstração de sua educação e do descompromisso com o bem-estar alheio. Fariam, de fato, muito diferente de deputados reinantes em Assembléias de Estados já trezentões ou quatrocentões e mesmo no Congresso em Brasília? É o risco, grave risco a correr. De resto, irresponsabilidade social e política mais aguda do que a que hoje existe pelo Pará e no Brasil inteiros não seria (e não é) novidade nos pretendentes novéis Estados. * Jornalista
A rigor, não existe um debate sobre as demandas das regiões Oeste e Sul do Pará por autonomia política. Em Belém, isso não existe por desconhecimento das razões desses pleitos, um desconhecimento que engendra o preconceito. Em Santarém e Marabá, candidatas a capitais, o debate é débil em virtude da profunda dependência político-partidária das elites locais em relação aos grupos de poder político e econômico sediados na capital do Pará. Não havendo, lá, lideranças sociais não partidárias engajadas no embate separatista, o que deveria ser um debate salutar, lá e cá, torna-se conversa sazonal que se transfere para o âmbito de comissões do Congresso, em Brasília. Quanto à inclusão do Marajó e do Xingu na presente temporada separatista, isso se deve mais à ação de grupos cuja história não recomenda esses dois pleitos. Consistência, rigorosamente falando, somente existe quanto ao pleito do Oeste e, secundariamente, quanto ao do Sul do Pará. Mesmo assim, estes dois casos têm história e motivações contemporâneas profundamente distintas. No caso do pretendido Estado do Carajás, a demanda vem do início dos anos 1990, quando aquela região começou a ter novo sentido econômico, a partir do significado da Serra dos Carajás e do desenvolvimento da agricultura e pecuária. Empreendimentos que ensejaram a formação de uma ainda nascente elite regional, liderada fortemente por grupos não-paraenses, sem maiores ligações históricas e culturais com Belém, esta grande cabeça física, inchada pelas migrações, de uma unidade federativa cujas elites desconhecem profundamente o que se passa no interior do Pará. No Oeste do Estado existe consistência histórica para o pleito, que vem do momento em que Pedro II assinou, em 1850, o decreto de criação da Província do Rio Negro, mais tarde Província e Estado do Amazonas, depois que as elites daquela unidade intentaram, sem êxito, a separação por conta própria, em 1832. Após a perda territorial de sua imensa banda Oeste, as elites paraenses permaneceram inconformadas, e rusgas foram freqüentes entre as duas unidades. Surgiu, então, a idéia de se criar uma terceira província, que viria, naquele momento, servir de algodão entre cristais. Em 1869, segundo relata Ferreira Reis, foram intensos os debates no Parlamento Imperial sobre a necessidade de transformar o Baixo Amazonas paraense (hoje chamado de Oeste do Pará) em uma província autônoma. Em 1832, o Grão-Pará tinha três Comarcas: Belém, Santarém e Manaus. Santarém adquiria, assim, status jurídico e administrativo semelhante ao das outras duas cidades, alimentando o sonho da autonomia que jamais veio a se realizar. Isso porque as elites baseadas em Santarém foram tão débeis que jamais conseguiram, nesse século e meio, dar conseqüência à sua aspiração. Desse percurso se percebe que há razões históricas e contemporâneas para o pleito separatista, sendo as de hoje o fato concreto dos poucos investimentos estaduais no Oeste, onde nos últimos 30 anos os mais vultosos investimentos em infra-estrutura foram obra do governo federal: rodovias, portos, aeroportos, o hospital do pronto-socorro de Santarém e mesmo obras urbanas se fizeram graças a dinheiro de Brasília. Não se pode esquecer que o Oeste paraense padece de uma forte e contínua evasão populacional. Banidos pela desilusão de algum dia poder encontrar o que fazer de produtivo para reconstruírem as suas vidas, centenas de milhares de paraenses (calcula-se em cerca de 500 mil) já emigraram para Manaus, onde hoje se verifica uma caricatura do racismo que inferniza os migrantes de tantas partes do Brasil e do mundo. Nesse processo, o inverso também ocorre, com a entrada maciça na região paraense, sobretudo em Santarém, de todo tipo de gente de todos os cantos do Brasil Sejam quais forem as reais motivações, o perigo está em que o Estado do Tapajós pode surgir do escuro, em meio à ausência de debates produtivos e com o desconhecimento proposital das elites de Belém. Aliás, vejo benéfica para Belém, como cidade, a criação do Tapajós e Carajás. A capital paraense é hoje um aglomerado metropolitano de problemas estruturais, cuja solução não se vislumbra. Imagino que, se houvesse debate a respeito dos problemas paraenses, a questão da criação dos dois Estados seria vista como potencialmente benéfica para a solução dos problemas da atual capital, com a descentralização das migrações em direção a Santarém e Marabá. O que os grupos de poder fariam por lá, só Deus sabe... Aliás, todos nós podemos antever um Estado do Tapajós e um Estado de Carajás geridos pela irresponsabilidade das elites locais, especialmente quando aquelas duas regiões paraenses se beneficiam e ao mesmo tempo sofrem com a chegada de duas categorias que muitas vezes se confundem: a dos empreendedores e a dos aventureiros, muitos deles se autoproclamando “empresários”. Além da massa de deserdados que vêm fugindo de situações ainda mais precárias. Imagino o que poderão fazer, como eventuais deputados estaduais ou federais um “filho de sojeiro” do Oeste ou um rebento de “pecuarista” do Sul do Pará, daqueles que infernizam as ruas de Santarém e Marabá com seus carrões equipados com máquinas de som treme-terra, desfilando em suas Hilux, demonstração de sua educação e do descompromisso com o bem-estar alheio. Fariam, de fato, muito diferente de deputados reinantes em Assembléias de Estados já trezentões ou quatrocentões e mesmo no Congresso em Brasília? É o risco, grave risco a correr. De resto, irresponsabilidade social e política mais aguda do que a que hoje existe pelo Pará e no Brasil inteiros não seria (e não é) novidade nos pretendentes novéis Estados.

* Jornalista "

Nenhum comentário: