Manuel Dutra (*)
Quem vive em Belém, desconectado das realidades dos demais municípios do Estado, com freqüência não compreende certas reações provindas do interior. Entre elas, a velha aspiração pela autonomia política, fenômeno que tem causas históricas e contemporâneas. Entre essas causas estão antigas mentiras geradoras de frustrações e sentimento de abandono nessa “África esquecida pelo Brasil”, como publicou há algum tempo um jornal português, referindo-se a Santarém, pólo do Oeste.
Uma mentira de um século e meio, por exemplo, é a Santarém-Cuiabá, somente mais velha do que a idéia do Estado do Baixo Amazonas ou do Tapajós. Nos últimos 30 anos todos os presidente e candidatos a presidente, de Figueiredo a Lula, prometeram concluir a estrada, que só não é asfaltada em território paraense. Tão velhas, continuam como mentiras atuais e atualizadas ao gosto dos demagogos de ontem e de hoje, que vão inventando conversas ao sabor do tempo.
Quais as de hoje?
O terminal fluvial de passageiros (prefeitos e mais prefeitos prometem), tão necessário, muito mais necessário do que aquela estação rodoviária que o falecido deputado federal Ubaldo Correa chamou apropriadamente de buraco-de-tatu.
Fibra ótica para dar pressa à internet, melhor chamada em Santarém Rede Mundial da Espera. Energia “farta e barata”, como imaginou Sylvio Braga, sonhador primeiro da usina de Curuá-Una hoje acoplada a Tucuruí e assim mesmo deixando a cidade em freqüente escuridão.
Construção de uma nova estação de passageiros do aeroporto (o maestro Isoca Fonseca mereceria homenagem melhor do que essa estação vigente). Reasfaltamento da viela que leva a Alter do Chão? Bem, nova mentirinha: Santarém ganhará moderno sistema de sinais de trânsito e ruas decentes ao contrário das atuais (uma vergonha brutal e brutalizante!) Ah! O Viaduto construído no cruzamento das Avenidas Cuiabá e Fernando Guilhon, para que serve? Mentira de concreto… Quantas mais?
De tanta frustração, a população da banda Oeste do Pará vai se mudando para Manaus, cidade referência para esta região. No Amazonas o governador é paraense, deputados e vereadores paraenses não são novidade. Nos hospitais, há enfermeiras paraenses em quase todos. E cresce a discriminação contra os paraenses, que os amazonenses distinguem claramente entre “paraenses” do Oeste e paraenses da região de Belém. Contra estes, não se faz discriminação.
Conterrâneos de Santarém, Óbidos, Juruti, Monte Alegre, Alenquer e outros municípios do velho Baixo Amazonas vão emigrando em busca do que não encontram em seu Estado natal: emprego. Lá encontram emprego, mas também a discriminação, que é muito mais grave do que dizem algumas poucas notícias que raramente aparecem aqui fora.
Por exemplo, uma das piadas correntes em Manaus diz que, quando a TV passa jogo Remo X Paysandu, os vizinhos da penitenciária não dormem com os gritos da torcida paraense que lota a cadeia. E isso extrapola o ambiente comum das ruas para chegar à universidade, onde mesmo professores chegam a discriminar abertamente.
Se Manaus não é um paraíso, com certeza algo melhor existe lá para atrair migrantes justamente da região paraense vítima de inúmeras e históricas mentiras.
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